A abolição da escravatura foi um movimento internacional que começou na Europa e se espalhou por todas as colônias. Veremos neste post, com base no livro As Abolições da Escravatura no Brasil e no Mundo de Marcel Dorigny, o caminho percorrido por este movimento e o seu legado para o mundo.
As resistências à escravidão
Neste capítulo, lemos a respeito das diversas formas de resistência mostrando que os negros não aceitavam a condição que lhe foi imposta, ser escravo. Ora se rebelavam ou fugiam para formar quilombos. Ora envenenavam ou assassinavam seus senhores e animais. Além de se recusarem a gerar filhos, se matarem, bem como, causarem motins nos navios negreiros.
Textos mostram que o comércio de escravos gerava uma desproporção populacional, pois em muitas colônias havia mais escravos que população livre e isso gerava instabilidade nas sociedades coloniais. Assim, para manter a ordem, havia forte repressão.
Abolição da escravatura – As contestações ao tráfico e à escravidão
Neste capítulo, faz se uma diferenciação entre os termos: antiescravista, abolicionista e reformador. O antiescravista se limita a uma condenação moral da escravidão, enquanto que o abolicionista prevê modalidades concretas de abolição e que tipo de sociedade se criará após a abolição. Já os reformadores propunham o fim da escravidão de maneira gradual.
O antiescravismo inglês e estadunidense tem uma influência cristã a qual defende que todos os homens tem uma origem única, Adão e Eva. Um exemplo é dos quakers que foram os primeiros a proibir seus membros de possuir escravos no território da Pensilvânia, fundada por eles.
O antiescravismo francês tem uma influência reformadora e iluminista baseada no direito natural em que os negros deveriam ser ensinados a ser livres e que a abolição ocorreria de modo gradual sem deixar de lado os interesses das metrópoles.
Por isso, é a primeira vez na história que se desenvolve um pensamento crítico sobre a escravidão e a Europa dar um passo importantíssimo na transição do antiescravismo para o abolicionismo. Neste sentido, destaca-se o famoso capítulo “Da escravidão dos negros”, da obra Do espírito das leis, de Montesquieu, publicada em 1748.
Além disso, a escravidão não caberia em um novo modelo econômico que se desenvolvia no século XVIII. Segundo Adam Smith, “a mão livre fecunda melhor do que a mão escrava”, em outras palavras, o trabalho livre é superior ao trabalho forçado.
Surgimento e expansão do movimento abolicionista
Primeiro ocorre a fundação teórica da abolição. Em 1770 Luis Sébastien Marcier publicou o Ano 2440, sonho utópico, onde faz uma narrativa do futuro da escravidão em que após uma rebelião de escravos e matança de brancos, se proclama a independência das colônias. Em 1771, o Abade Raynal publica o livro Da história filosófica e política das possessões e do comércio dos europeus nas duas Índias em que condena tanto a escravidão como o tráfico e a colonização.
Depois vem o amadurecimento destas ideias e a incompatibilidade da escravidão com o novo modelo econômico.
Por fim, o surgimento de sociedades antiescravistas na América do Norte, Inglaterra e França. A primeira foi fundada na Filadélfia, depois surgiram outras nos estados do Norte, mas nenhuma nos estados do Sul, ou seja, onde havia escravos não havia sociedades antiescravistas.
Em 1787 é fundado na Inglaterra o Comitê pela Abolição do Tráfico que objetivava pressionar o Parlamento de Londres a proibir o tráfico de negros em suas colônias, mas não obteve êxito. Então, as ideias abolicionistas inglesas migraram para a França onde a Revolução Francesa abria espaço para acolhê-las e foi criada a Sociedade dos Amigos dos Negros, assim Paris se tornou o novo centro do movimento antiescravista que se tornaria abolicionista.
Portanto, o movimento abolicionista foi internacional e se alguma destas potências proibisse o tráfico de negros, todas os demais o fariam. A Inglaterra foi pioneira por abolir o tráfico em 1807. Nos Estados Unidos, em 1808. Lembrando que após a proibição do tráfico de negros (abastecimento das colônias) o contingente servil aumentou de forma espetacular nas colônias.
A primeira abolição da escravatura (1789-1804)
Em 1790 em São Domingos (atual Haiti) houve uma tentativa de abolição quando negros livres, mal organizados, pegaram em armas contra seus colonos, porém foram esmagados e seus principais líderes apedrejados em praça pública.
Em 1791 após cerimônia religiosa em volta de Cecile Fatima, sacerdotisa máxima do vodu, os escravos juraram lutar por sua liberdade. Boukman, escravo vindo da Jamaica foi o mestre desta cerimônia e seria o primeiro a ser morto. Porém alguns historiadores colocam em debate a veracidade desta história que, até hoje, faz parte da memória popular do Haiti.
A Assembléia Nacional da França enviou 3 comissários ao Haiti para conter a rebelião. Daí, em 29 de agosto de 1793, Sonthonax (um dos comissários) anuncia que a partir daquele momento não havia mais escravos no Haiti. No entanto, essa proclamação durante algum tempo era desconhecida da Assembleia Nacional em Paris que votou, em 1794, unanimemente pela abolição da escravatura. Assim a proclamação feita em São Domingos estava legalizada e estendida a todas as colônias francesas.
Não podemos esquecer que o Haiti foi o primeiro país a se tornar independente e ser a primeira república negra em 1804, mas que só foi reconhecida pela França em 1825.
As abolições do século XIX
A Revolução Francesa (1789) lançou luz sobre os ideais abolicionistas e reformadores. Porém a proibição do tráfico de negros ocorre muitos anos depois. A Inglaterra vota a proibição do comércio de escravos em 1807. A Dinamarca, em 1804. Os Estados Unidos presidido por Thomas Jefferson, grande proprietário de escravos, adota a lei de abolição de escravos em 1807.
Em 1815, no Congresso de Viena, é proclamada a abolição universal, porém com efeito tardio, pois ainda em 1829 mais de 110 mil cativos foram transportados em navios negreiros, sendo os principais destinos Brasil e Cuba.
No entanto, após 1830, a abolição se torna mais visível e necessária do ponto de vista econômico. A França e a Inglaterra intensificam a fiscalização do tráfico negreiro aumentando as penas para quem faz e patrocina o tráfico ilegal. O papa Gregório VI condena o tráfico, embora que tardiamente.
Assim em 1833 a Câmara dos Comuns da Inglaterra vota pela abolição gradual da escravatura. Na França, em 27 de Abril de 1848, foi assinado decreto oficial do fim da escravidão nas colônias francesas.
A questão da indenização
Chegamos ao capítulo que causa mais questionamentos e deixa perguntas em aberto.
O escravo era um ser humano ou um bem de consumo?
Desde 1781 Condorcet já afirmava: “Mostramos que o senhor não tinha nenhum direito sobre seu escravo, que a ação de mantê-lo cativo não é o gozo de uma propriedade, mas um crime; que, libertando o escravo a lei não ataca a propriedade, mas deixa de tolerar uma ação que ela deveria ter punido com pena capital.”
A abolição da escravatura propiciava liberdade ao invés de um atentado a propriedade, como bem expôs Cyrille Bissete, em 1835 ao dizer que indenizar aquele que possuía ilegitimamente um homem seria imoral. No entanto, os proprietários de escravos argumentavam que apenas praticavam um comércio encorajado pelas potências por tanto tempo.
Assim, quase todos os proprietários de escravos foram reembolsados, a exceção dos Estados Unidos, onde a abolição foi imposta ao Sul pela derrota na Guerra Civil. Em são Domingos (Haiti), ocorre algo espantoso: a França reconheceria a independência da ilha se a mesma pagasse uma indenização de 150 milhões de francos-ouro. Depois este valor caiu para 90 milhões e foi pago através de um imposto sobre a exportação do café. Ou seja, enquanto que em outros locais a indenização foi paga pelo orçamento das potências coloniais, em São Domingos, quem pagou aos colonos foram os haitianos através da exportação do café.
Portanto, nos perguntamos: embora o crime de escravizar fosse legalizado, os colonos tinham direito de exigir indenização alegando que foram espoliados? Vou mais além, quem deveria receber indenização até os dias de hoje?
Abolição da escravatura – O futuro das sociedades pós-escravagistas
Neste capítulo, Marcel Dorigny apresenta o que se desenvolveu em alguns países em que a escravidão foi oficialmente abolida, mas que ainda eram colônia das metrópoles europeias. Para tanto, a ideia de ser livre não significava ser improdutivo ou ocioso, mas substituir o trabalho escravo pelo trabalho assalariado.
De fato, isso ocorre na Jamaica, Barbados, Cuba, Antilhas francesas e Reunião. Porém, o que os ex escravos desejavam era poder cultivar sua terra e se tornarem agricultores familiar. Assim, para suprir a demanda por mão de obra diante da recusa ao trabalho assalariado, veio o engagismo que seria o recrutamento de trabalhadores advindos da África, Índia, China e Japão.
Voltando ao caso de São Domingos (Haiti), nota-se o crescente desenvolvimento de uma sociedade rural de pequenos proprietários que declina a propriedade colonial e consequentemente, as exportações , principalmente de açúcar. Então, naquela época, o Haiti é considerada a única sociedade camponesa do Caribe.
A respeito da integração entre ex escravos e brancos, percebe-se a criação de duas categorias de cidadãos que são iguais em direitos, mas não na sua fruição.
Por fim, surgem novos projetos de colonização defendido pelos abolicionistas, ou seja, buscar novas colônias, mas ocupá-las em relações mais naturais e fáceis. Assim o tráfico e a escravidão, duas práticas desumanas que devastaram a África e as Américas, deveriam dar lugar a uma colonização pacífica.
Reflexão
Após a leitura sobre a abolição da escravatura, percebo o quão importante é saber a hora de falar ou de se calar diante deste tema, principalmente num país que foi o último a abolir oficialmente a escravidão. Portanto, valorizo a oportunidade em adquirir conhecimento ao ver que a essência escravagista não mudou, apenas ganhou novas caras.
O livro As Abolições da Escravatura no Brasil e no mundo de Marcel Dorigny da Editora Contexto você encontra no Books Google, mas eu comprei na livraria Leitura no Shopping Salvador Norte.