Um índio com sua vestimenta mínima, apontando a flecha para sua caça, com muita destreza, põe o peixe em sua canoa de madeira, feita por ele mesmo e segue para sua aldeia. Em outra região da amazônia, índias seminuas, amamentam seus filhos e com olhar desconfiado, percebem aproximação do homem branco, cada uma vai pra sua casa feita de palha ou barro e aguardam a saída do homem branco. Em outra localidade, o visitante ao desembarcar num simples porto de uma cidade às margens do Rio Negro, é atacado por uma cobra ( ou seria um jacaré?) e já começa a pedir perdão por todos pecados e pela infeliz ideia de ter escolhido passar férias na amazônia. Bom, se você pensou que tudo isso era verdade, você não está só, milhões de brasileiros pensam assim. Mas vamos para a realidade do índio no Brasil?
Convidei a Vanda Cardoso que conheci numa viagem de 29h de barco, subindo o Rio Negro, em 2015, para responder algumas perguntas que foram feitas por amigos e leitores do blog.
- Apresente sua comunidade indígena.
A comunidade indígena que moro é conhecida como Distrito de Iauaretê, no interior do município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, na fronteira com a Colômbia. Possui dez bairros, Aeroporto, tem o 1° Pelotão Especial de Fronteira, tem Câmara, tem Correios, tem lojas, tem uma igreja, tem 2 Escolas Estaduais e 4 Escolas municipais.
Pra chegarmos em Manaus, vamos de barcos, canoas ou no avião do Exército Brasileiro, até São Gabriel da Cachoeira. E daí, seguimos em barco ou lancha rápida e quem tem mais recurso vai de avião comercial pra Manaus.
Aqui na minha comunidade temos várias etnias como desana, piratapuia, wanano, hup-da, tukano que falam suas próprias línguas. Tem os tarianos que perderam sua língua falada. Pra comunicarmos entre todas as etnias todos falamos a língua tukana que é uma das línguas co-oficializadas no Brasil.
Nossos costumes aqui, é trabalhar em pequenas roças com plantio de maniwas ( mandioca), onde é tirado o alimento como a farinha, beijú, goma, manicuera (sumo da massa de mandioca) e também é feita uma bebida com a mandioca que chamamos de caxiri, nas roças plantamos um pouco de tudo como frutas.
- O que é ser índio no Brasil da tecnologia?
Ultimamente estamos perdendo muito nossa cultura tradicional. Em relação a vestimenta, perdemos quando os padres chegaram pela primeira vez aqui em Iauaretê, onde moro. Desde lá, não se usa mais vestimentas tradicionais e muito menos agora que os jovens já seguem as tendências da moda dos não índios, usamos vestimentas tradicionais só quando vamos apresentar as danças tradicionais e as pinturas no rosto e no corpo só em festas culturais. Em questão ao idioma, vejo que atualmente os jovens estão se comunicando mais em português do que com a língua mais falada aqui que é língua tukana. Com a chegada e avanço da tecnologia vejo que estamos perdendo mais a nossa identidade indígena. Os jovens procuram mais saber dessas tecnologias do que manter a tradição.
- O que é ser índio no Brasil do desmatamento?
Ser índio no Brasil é viver e sobreviver sob ameaças de não índios. Ameaças essas que são as disputas das terras. A maior luta em tempos atuais pelo movimento indígena é a demarcação de terras, onde nós queremos ter um pouco de onde um dia já foi todo nosso. Enquanto o não índio quer as terras pra desmatar pra ficar rico com suas enormes plantações e criações de gados e outras coisas. Nós só queremos para a nossa sobrevivência, que é da florestas que tiramos nossa sobrevivência como a caça, as frutas silvestres, as plantas medicinais, fazer pequenas roças sem prejudicar totalmente o meio ambiente. E tem os rios e igarapés também pra manter, para pescar.
- O que é ser índio no Brasil preconceituoso?
Onde eu moro acredito que não tem preconceito entre nós indígenas, por sermos todos indígenas respeitamos a etnia de cada um, porque cada etnia tem sua hierarquia na qual cada um se põe em seu lugar como irmão maior e menor e há respeito entre essa hierarquia. Existe preconceito se sairmos daqui e vamos para o nosso município de São Gabriel da Cachoeira AM que é conhecido como o maior município indígena do Brasil. Lá se concentra o maior número de várias etnias e há preconceito entre as etnias. De uma querer ser mais que a outra, muitas vezes os filhos dessa terra, que nasceram nesse lugar não dizem ser mais índios e tem preconceito com os que vem do interior, mas isso não impede de sermos índios, é aí que buscamos forças pra mostrar nossa identidade, nossa cultura, nossos costumes. E vamos continuar lutando para termos nosso espaço, nosso lugar para que nossas futuras gerações vivam sem preconceitos. Pois somos indígenas e temos que somar forças.
- O que é ser índio no Brasil com abundância de alimentos?
Vou citar os alimentos que temos aqui onde eu moro em Iauaretê.
Mandioca – o essencial para a nossa sobrevivência, dela é feita a farinha, a tapioca, a manicuera, maçoca, tucupi, beijú, caxiri que é uma bebida fermentada oferecida nas festas e goma.
Temos mujeca, quinhampira, japurá, caruru, manissoba, peixe com umari. Esses são as comidas típicas que temos aqui.
A natureza nos oferece muita coisa para cuidar da saúde, utilizamos por meio de chás, pós, banhos, compressas e defumação. Assim como tem plantas benéficas tem maléficas.
Cariri – bebida feita de mandioca Foto: Vanda Cardoso |
aluá de abacaxi Foto: Vanda Cardoso |
- Como gostariam de viver no Brasil dos dias de hoje?
Dá pra ver e sentir na pele que não tem como voltar para trás, mas o que queríamos e queremos é que pelo menos os povos indígenas de hoje sejam respeitados, que o Brasil respeite os povos indígenas, respeite a sua cultura e seus costumes, respeite as diferenças, que nos vejam como gente e não como empecilhos que atrapalham para o desenvolvimento do Brasil, esse desenvolvimento que está ameaçando nossas terras, quanto mais os não índios querem terra, mais nós índios estamos ficando sem. Queremos que nos deixem viver nossa cultura em harmonia com natureza como sempre foi. Assim todos viveremos em paz, tanto índios e não índios. Respeitar às crenças, às culturas e costumes acima de tudo sem menosprezar um ao outro. Esse é o Brasil que queremos.
- Informações sobre os índios no Brasil
Um estudo realizado desde 2010 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e divulgado no ano passado, apontou que há cerca de 900 mil índios no Brasil, que se dividem entre 305 etnias e falam ao menos 274 línguas e dialetos. Esses dados fazem do Brasil um dos países com maior diversidade sociocultural do planeta.
O estudo revela ainda que há mais indígenas em São Paulo do que no Pará ou no Maranhão, por exemplo. Porém, existe um processo de “retomada”, ou seja, o número de indígenas que moram em áreas urbanas brasileiras está diminuindo e voltando a crescer em aldeias e no campo.
“povos indígenas isolados” – grupos indígenas com ausência de relações permanentes com as sociedades nacionais ou com pouca frequência de interação, seja com não-índios, seja com outros povos indígenas. Atualmente, no Brasil temos cerca de 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia Legal.
“de recente contato” – povos ou grupos indígenas que mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. Atualmente, a Funai coordena e apoia ações de proteção e promoção em 19 terras indígenas habitadas por grupos indígenas de recente contato, como os Zo’é, Awá Guajá, Avá Canoeiro, Akun’tsu, Canôe, Piripkura, Arara da TI Cachoeira Seca, Araweté, Suruwahá e Yanomami, entre outros.
Fonte: site da Funai
Só tenho que agradecer a Vanda Cardoso por este conhecimento compartilhado!
Vanda Cardoso é da etnia piratupuia e fala o idioma tukano |
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